“Associação recolhe textos para preservar histórias de anónimos”
A associação surgiu há quase dois anos e tem, desde abril, um espaço para depósito de diários, cartas, epístolas ou outros suportes autobiográficos num espaço fechado à chave na biblioteca de São Lázaro, da Junta de Freguesia de Arroios, em Lisboa.
A ideia surgiu quando a”designer” italiana Clara Barbacini, a residir em Portugal há vários anos, descobriu as cartas que o bisavô paterno escreveu à esposa durante a primeira Grande Guerra e que a levaram a criar um fascínio por biografias de anónimos que também contribuíram para a História.
O bisavô “não foi um herói conhecido, nem era especialmente culto, mas as cartas que escreveu até à véspera da sua morte têm um valor histórico” e são o testemunho na primeira pessoa do que foi a vida de um soldado nas trincheiras, explicou à Lusa.
A família acabou por depositar estes documentos no Archivio Diaristico Nazionale, em Pieve Santo Stefano, em Itália, que há 30 anos guarda memórias de pessoas comuns e, com o arquivo italiano como referência, Clara Barbacini decidiu por mãos à obra quando regressou a Portugal.
A “designer”, juntamente com outros membros da associação, como Ana Filipa Flores, esperam que os portugueses tirem todo o material autobiográfico das gavetas, desde memórias dos tempos da ditadura a testemunhos relacionados com o 25 de Abril, a cartas escritas por filhos emigrados, por soldados, por noivas ou madrinhas de guerra, por exemplo.
“Têm de ter uma componente autobiográfica. Mas, obviamente, os diários podem ser realizados de muitas formas”, esclarece Ana Filipa Flores, destacando que, no fundo, todos queremos ser lembrados.
Embora já tenham contactos de pessoas interessadas em entregar documentos, o grande lançamento do projeto será a 26 de junho, em Lisboa, no âmbito do evento “Throw the Memories”, altura em que será divulgado um concurso de diários, entre os quais um será selecionado por um júri para poder ser publicado.
As histórias no arquivo italiano têm servido de inspiração a investigadores, a encenadores, artistas e curiosos e é esperado que em Portugal aconteça o mesmo.
Clara Barbacini destaca que o parceiro italiano guarda cerca de seis mil documentos, desde a história da viúva que descreveu a sua vida de casada no lençol do enxoval à do homem preso pelos fascistas que enviava cartas à mãe nos colarinhos das camisas que iam para lavar, até às cartas de amor de um casal siciliano, analfabeto, que comunicava através de desenhos.
“A associação apenas ficará depositária dos documentos, que continuarão a pertencer ao depositário. Quem entregar documentos, originais ou cópias, pode proibir ou permitir a sua leitura a estranhos e estabelecer que só poderão ser consultados após a sua morte, entre várias modalidades de depósito”, adiantou.
Vários países da Europa têm já arquivos de memórias autobiográficas, muitos deles orientados para temas específicos, como por exemplo o da Catalunha, que reúne memórias autobiográficas acerca da guerra civil espanhola.
A longo prazo, o objetivo da associação é também criar uma rede europeia de arquivos semelhantes.
A associação pode ser contactada na Biblioteca de São Lázaro, em Lisboa, ou através do site.