O Arquivo dos Diários está a recolher histórias de migrantes
Há mais de cinco anos que Lisboa tem um Arquivo dos Diários, projecto que tem agora um novo capítulo: Diários de Migrantes.
A associação Arquivo dos Diários quer ouvir as histórias dos estrangeiros a residir em três freguesias alfacinhas: Santa Maria Maior, Arroios e Misericórdia. A iniciativa chama-se Diários de Migrantes e é a mais recente deste projecto, que quer ampliar o conhecimento colectivo através de narrativas individuais. Neste caso, ajudando a construir cerca de 60 diários pessoais com histórias que revelam percursos migratórios ou a vida de migrantes a residir em Lisboa.
O Arquivo dos Diários está guardado na Biblioteca de São Lázaro, a mais antiga da cidade, onde estão guardadas as dezenas de diários recolhidos até agora. Uma colecção que vai crescer ao longo dos próximos dois anos e meio, o tempo de duração previsto para esta nova iniciativa da associação, focada nas comunidades migrantes de Lisboa. Os participantes não precisam de ter já um diário feito. Nem têm de o escrever.
Financiado pelo Fundo Social Europeu e pela Câmara Municipal Lisboa, em colaboração com a Rede DLBC Lisboa – Associação para o Desenvolvimento Local de Base Comunitária em Lisboa, o Diários de Migrantes quer promover o diálogo intercultural e a informação sobre os percursos migratórios dentro destes territórios, ajudando a quebrar preconceitos e a integrar as comunidades migrantes na cidade. “É importante que não sejam números, estatísticas, e que se perceba porque é que têm de sair dos países deles. E também que não é só uma emigração de desespero, há histórias diferentes”, explica Clara, que já esteve em contacto com futuros diaristas. Como um migrante que ficou preso na Líbia e trabalhou nos campos de Itália por 3€ a hora, antes de cá chegar. “Achou o projecto interessantíssimo, porque achava necessário ter voz e contar o que se passa nessas rotas de migração.”
Em todo o caso, independentemente das iniciativas lançadas, qualquer pessoa, a qualquer altura, se pode dirigir à Biblioteca de São Lázaro para partilhar arquivos escondidos nos baús, sótãos e gavetas lá de casa e enriquecer este arquivo que é de todos nós.
As páginas já escritas
Entregar um diário a um estranho pode parecer estranho. É um objecto normalmente fechado a sete chaves, mas há mais de cinco anos que a associação Arquivo dos Diários desafia os lisboetas a entregarem os seus originais para ajudar a contar a história de todos a partir da história de cada um. É que num diário, entre amores, desamores e desabafos, também se contam histórias que se cruzam com a história da humanidade. São testemunhos que podem ajudar a preencher espaços em branco dos manuais académicos, micro-experiências que podem enriquecer a compreensão dos tempos em que foram escritos.
O Arquivo dos Diários foi inspirado no Archivio Diaristico Nazionale de Pieve Santo Stefano, criado há mais de três décadas por um jornalista da Toscana. O primeiro desafio apresentado pelo arquivo lisboeta foi o concurso “Conta-nos e conta connosco”, lançado em 2015, uma forma de promover a recolha de material autobiográfico, tendo por objectivo a publicação da melhor história em livro, a editar pela Penguin Random House.
O vencedor da primeira edição foi Fernando de Castro, que viu o seu livro O Meu Diário de Campanha ser lançado em 2017, um valioso testemunho pessoal sobre a trágica participação portuguesa na I Guerra Mundial. E no ano seguinte foi o diarista Amândio Martins que venceu o concurso, vendo as suas memórias resgatadas no livro Pedaços de Alma, que acompanha a vida do autor entre o Douro, os Açores, Moçambique, Timor e Paris, na década de 40 do século passado. O vencedor da terceira edição também já foi seleccionado, embora o livro só chegue às prateleiras mais para o final do ano. Chama-se O Meu Diário e tem origem num manuscrito de Daniel Costa, ex-combatente na Guerra Colonial que deixou um testemunho sobre o quotidiano do Esquadrão 297, estacionado em Angola, entre o início de 1962 e Abril de 1964.
O cunhado e a caixa de sapatos
O Arquivo dos Diários tem, na Biblioteca de São Lázaro, uma estante onde se guardam as muitas histórias que diaristas e familiares ali fazem chegar. Mas uma história acaba por se destacar, embora parta de um diário que foi entregue de forma anónima. Trata-se de mais um diário de guerra datado de 1917, a mesma época relatada em O Meu Diário de Campanha, o primeiro livro editado pelo Arquivo dos Diários. É da autoria do soldado que partilhou camarata com Fernando de Castro, mais concretamente o seu cunhado Sebastião Costa, filho do antigo Presidente da República Afonso Costa. Em destaque estão também 12 diários que chegaram numa caixa de sapatos, escritos e desenhados por um artista de vitrais, claramente perfeccionista.
Biblioteca de São Lázaro. Rua do Saco, 1 (Campo Mártires da Pátria). Seg-Sex 11.00-13.00, 14.00-19.00. www.arquivodosdiarios.pt